Deputado propõe sustação de licitação bilionária do Heuro e levanta suspeitas sobre modelo de privatização da saúde em Rondônia

Um novo capítulo na polêmica sobre a gestão da saúde pública em Rondônia acaba de ser aberto. O deputado estadual Delegado Camargo (Republicanos) protocolou na Assembleia Legislativa (ALE-RO) um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) com o objetivo de sustar os efeitos da Concorrência Pública 11/2022, lançada pela Superintendência Estadual de Licitações (Supel). O certame prevê a concessão da gestão do Hospital de Urgências e Emergências de Rondônia (Heuro) para a iniciativa privada, por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) estimada em R$ 10,157 bilhões — um dos maiores contratos da história do estado.

Segundo o deputado, a proposta representa um grave risco à saúde pública, podendo transferir para empresas privadas não apenas a administração, mas também serviços médicos e assistenciais, o que ele considera terceirização da atividade-fim da saúde.


Conflito entre lucro e atendimento universal

Em sua justificativa, Camargo alerta que a entrega da gestão de um hospital público à iniciativa privada pode criar um conflito direto entre o interesse público e o interesse financeiro.

“Quando o lucro passa a ser prioridade, a saúde corre o risco de se tornar um negócio. Isso pode comprometer o acesso universal e gratuito garantido pela Constituição”, afirmou o parlamentar.

A Constituição Federal, no artigo 196, estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, enquanto o artigo 199, §1º, veda o repasse de recursos públicos para instituições privadas com fins lucrativos. Para Camargo, o modelo atual da licitação pode afrontar esses dispositivos, levantando sérias dúvidas sobre sua legalidade.


Riscos de má gestão e corrupção

O PDL também cita relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público, Polícia Federal e Controladoria-Geral da União (CGU) que alertam para os perigos em modelos semelhantes adotados em outros estados.
Entre os problemas identificados estão:

  • Ausência de dados consolidados sobre a execução dos contratos;
  • Falhas na fiscalização;
  • Direcionamento em editais e processos de licitação.

Casos recentes no Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo mostraram desvios milionários de recursos públicos e falhas graves na execução de contratos com organizações privadas na saúde. Esses precedentes, segundo Camargo, evidenciam que Rondônia pode estar caminhando para um cenário de má gestão e corrupção.


Possível burla ao concurso público

Outro ponto polêmico levantado pelo deputado é a possibilidade de contratação de profissionais sem concurso público.
De acordo com Camargo, empresas privadas poderiam contratar médicos, enfermeiros e outros profissionais sem os critérios de meritocracia e transparência exigidos no serviço público, fragilizando os princípios de impessoalidade e moralidade administrativa.

Ele lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF), na ADI 1923/DF, reconheceu a constitucionalidade das organizações sociais, mas deixou claro que os processos seletivos devem seguir rigorosamente os princípios da administração pública — algo que, segundo ele, nem sempre acontece.


Capacidade técnica da empresa vencedora em xeque

A licitação foi vencida pela empresa Aliança Saúde e Participações S.A., mas Camargo questiona se ela possui experiência suficiente para gerir o maior hospital público do estado.

“Trata-se de uma empresa de grande porte, mas sua atuação é voltada principalmente para medicina diagnóstica. Não há histórico robusto na gestão de hospitais públicos de alta complexidade e contratos bilionários”, alertou.

Para ele, entregar um projeto desse porte a uma empresa sem experiência comprovada coloca em risco a eficiência do atendimento e a correta aplicação dos recursos públicos.


Um contrato bilionário sob suspeita

O valor do contrato — R$ 10,157 bilhões — tem chamado a atenção não só de parlamentares, mas também de órgãos de controle e da sociedade civil.
Críticos apontam que a falta de debate público e transparência no processo de concessão pode estar mascarando interesses políticos e empresariais.

“Não se trata apenas de um contrato. É a entrega da saúde pública de Rondônia por duas décadas. Precisamos avaliar com responsabilidade antes de comprometer o futuro do atendimento hospitalar”, destacou Camargo.


Defesa do interesse público

O deputado afirma que a sustação da concorrência não significa paralisar a construção do Heuro, mas reavaliar o modelo de gestão adotado.
Para ele, o Estado deve buscar soluções que fortaleçam a rede pública, mantendo transparência, eficiência e respeito aos princípios constitucionais.

“O Heuro será o principal hospital público do estado. A saúde da população não pode ser tratada como negócio. É preciso garantir que a gestão seja feita de forma pública, transparente e responsável”, concluiu.


Repercussão

A proposta promete dividir opiniões na Assembleia Legislativa e já provoca mobilização de setores da saúde, movimentos sociais e entidades de classe. Enquanto defensores da PPP alegam que ela é necessária para agilizar a entrega do hospital, críticos enxergam uma ameaça ao sistema público de saúde e temem que o modelo abra espaço para escândalos de corrupção e precarização do serviço.

O futuro do contrato bilionário do Heuro deve se tornar um dos temas mais polêmicos do cenário político de Rondônia nos próximos meses.

Fonte: RO Acontece

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